quarta-feira, 23 de maio de 2012

Andarilho noturno



Gente com olhos de gazela,
caçadora caçada e cansada,
caça o pássaro do coração morador de rua.

Rouba e reforça o guiso
à força do riso sem siso
e mente à amante da burguesia demente.

Nada mais é válido em terra que nada valida.

Inúteis as exortações de amigos inúteis!


JCVMoura
19/02/2012

Esquisitice

Silencio minha alma
na primavera
numa multi-linguagem.
Linguagem criada por mim
e compreendida somente
por minha alma, ninguém mais.

Espanco minha alma
na primavera
para que me possa falar.
Fala-me daqueles que lhe falam
sobre flores, perfumes e cores
invisíveis e mudas, nada mais.

Ontem e hoje



Quando criança aprendi a admirar
E a cumprimentar os raios de sol
Todas as manhãs, ao acordar.
Desnecessário que nascessem,
Pois havia brilhantes no teu olhar.

Agora, que não sou criança
Sufoca-me a realidade
Implantada em disforme saudade
E pergunto, ao cair do dia, ao transeunte:
Seria luz o que sumiu no horizonte?

Borboletas


Às vezes fico a imaginar
Se as cores das borboletas
E sua leveza no ar
Significam que poderei
Ser e Voar assim um dia...

Para a madrugada que chega


Hoje, a madrugada chegará acordada
E me provocará de todas as maneiras.
Cruel, assumirá a forma dos teus contornos
E me afogará nos risos que não mais posso ouvir.
Fiel, não irá embora, mesmo que eu lhe peça
Pois sua saga é a de me contorcer em dor.

Se coragem tivesse
Calaria em mim todos os relógios
Para estancar todas as madrugadas
E me lançaria aos teus braços etéreos
Para viver o silêncio do nunca mais
Na hora sem tempo do infinito.

Musa

Filha airosa de Zeus!
A ornar tua fronte, coroa de flores
Arrancadas do Éden.
Boca pintada acende brilhos
Raros, cores preciosas e divinas.
Teus seios desafiam as forças do tempo
E esbarram silenciosos nos meus braços.
Tremo. Extasio.
Caminho pela noite à procura de tanto
E descubro o nada.
Sonho.

Sombras

Almadiçoada pelo demônio!
Dois bicos de peito
Murchos.
Feios.
Dardos indigestos.
Vazia.
Nada.

Linguagem desclassificada!
Gazela assustada
Esquecida do prazer
Entregue à gana da corja
Insensata e má.
Opróbrio.
Nada.

Treme sacudida pelo medo!
Duas pernas vadias.
Aos braços
Rebento.
Fome e choro.
Vazios.
Nada.

Entre Diabo e Anjo - a Gil Vicente




Depurado e elegante
Com majestade invoca
Lineamentos góticos
Que passeiam entre os anais
Dos mistérios divinos
Espirituais
E carnais.

Expõe com mestria vigorosa
A certeza das letras
Que desenham o essencial
E entre Diabo e Anjo
Ressaltam ao espanto
Tipos sociais
Desiguais.

Inspiração que ressoa
Em poética andarilha
Entre tons e semitons
Das realidades vividas
Inovador prodígio
Que enaltece sem avareza
A prodigiosa Natureza.

Tesouro extraordinário
Da vida popular revelado
Por viço tradicional
Que por novo se refaz
Sem contradições
Impecável.
Indomável.

JCVMoura
Escrito após a leitura de:
VICENTE, Gil, Auto da Barca do Inferno.

Saudade...

Ah, saudade!
Isolamento da alma
Que se precipita ao precipício
De enlutada mágoa
Pelo que se foi em mistério!
Sentimento múltiplo
Que afoga o presente
Na lembrança do passado
Tornando cego o futuro!
Consciência metafísica
Um doce-amargo
Inserido entre a nostalgia do não ter
E a esperança do vir a ter!

Ah, saudade!

A morte

Qual o contraveneno para esse mal
Que na existência chicoteia o pensamento?
Revelar o efêmero e saborear-lhe a ternura?
Gozar o presente leva-me à ilusão
De esquecer o pesadelo da morte
Única certeza no curso da vida?

Como será Hades, o Senhor das Trevas
Que me agradará na eternidade do silêncio?
E essas almas que vagueiam exangues e inconscientes
Invejosas dos vivos? Retornarão à vida?
E morrerão de novo?
Findará quando o Samsara?
Não terei jamais direito à paz eterna?

Luto negro



sou humano
animal ruminante
de um passado encantado

Depressão sazonal

Flutuo vulnerável
Ao domínio do humor
Que exaltado chora e ri.

Sem luz brilha-me a tristeza
E exauro-me ao sorriso do frio
Que me perfura o pensamento.

Dói-me o corpo por inteiro
Extingue-se-me a alma
E aos devaneios da espera
Lamento a Primavera que não chega.

Ecoar sem fim



Nas fronteiras longínquas do azul
Acenas ao passado
E escutas o espinhoso
Problema da igualdade
Cujo eco ressoa fortemente -
Equilíbrio humano
Em corda bamba.

Entre teias e redes


Ideias capturadas
Destruídos ideais _
Teias capturam
Pequenos e fracos...

Ao léu e à ventania
Irrompem arbitrariedades _
Redes frouxas liberam
Ricos e poderosos...

No passado Anarcase
Zomba da lei escrita
Sob forma de fazer Justiça

Ao presente tão antigo
Soluço a pergunta _
Leis ou teias de aranha?

Cismas


Se a imaginação do ser humano
Mantém-se sob zonas maleáveis
Que captam a realidade social
Pobre do consciente infeliz
Que sem ser cego, surdo e mudo,
Se faz passar por um deles...

Amor viril na Grécia antiga


A origem da atração apaixonada
Do homem pelo homem
É apanágio do tempo distante
Que se perde nas brumas
da imaginação humana.
Lá, naquele mundo afastado
No qual as sociedades guerreiras
Incitavam homens e homens
A encerrarem-se em si mesmos
O amor hercúleo nasceu.

Nesse contexto diverso de civilização
Tornava-se baço o amor sutil e leve
Travado entre homem e mulher
Em contraponto às virtudes varoas
- Força, Bravura e Fidelidade.
Cultivava-se a empáfia masculina
Bem à moda de Verlaine
Quando em Parallèlement
Celebra cínico e combativo
Suas orgias com Rimbaud.

Ao tom das lendas, se amantes
Ao campo de luta, imbatíveis os solos
A serem defendidos ao sabor
Do heroísmo e sacrifício
- Imaginário de efêmera nobreza.
Deuses olímpicos, reis gregos
Heróis militares e tantos outros deles –
Inocentavam a pederastia e o amor viril
Como o ensino erudito, perfeito e puro
Da iniciação sexual e da vida social.

A esta evocação, jovens efebos
Subjugavam-se aos amantes raptores
Que entre banquetes e caçadas
Transformavam-nos em alimento
Da moral pederástica de outrora.
Entre oferendas de bois a armaduras
Regressavam da glória, aos píncaros
Exaltados em festa ao resultado da festa
Em que seus corpos supriram
Os prazeres sublimados da nobreza.

Por medo do opróbrio social
Bocas adolescentes vitimizadas
Silenciavam aos corações em grito
Sufocadas pela religiosidade do ato
Pederasta e divinal – um privilégio social.
Escudeiros fiéis ao manto virtuoso
Das interpretações passadas
Resta-lhes hoje o status de vítimas brutais
Da transmitância, de macho para macho
Da virtude guerreira ideal – insana e obscena.

JCVMoura
Poema histórico escrito para um seminário.

Ilusões perdidas




A miséria do ser humano
Encontra-se no infortúnio
De amadurecer cedo
Em demasia.
Eterniza o abençoado

Instante do siso precoce

Entesa-se em exultação

Glorifica a vitória

E não mais deseja mudar

A esquecer-se

De que a Vida muda

E a imutabilidade

Só existe na Morte...

................................[Ou não...]

Vampiro




Derrubo-me à luz do Sol
E verticalizo minhas emoções
Ao Inferno da Saudade.
Corpo ereto ao fogo,
Pois sofrer é o castigo
Causticante que imponho
À culpa que me habita
Hoje...
Sempre...

Eu ou Ele? Nós?




Jesus..............
Cristo ou Judas?

Jazigo solitário ou
Caminho direção?

Juiz da verdade ou
Cadáver sem ilusão?

Maria
.......Madalena
...................Eu
......................Sou
..................... J
..................... C

Jura por mim! Abjura!
Crucifica-me
Aos teus amores!
Bebe meu sangue
E saboreia meu corpo
Na hóstia do meu desespero!

Eu sou JC, Maria!
Anticristo, Madalena?
Pseudônimo do Inferno ou do Céu?
Ele ou Eu?
Nós?!!!


JCVMoura, 23/05/2010

Obstinação



meu corpo bruto
rrafega pela insolência
da vida que não vive!


23 de maio de 2010.

Tristeza

Tudo é o fim! Tudo é o nada!
Rasgo negro sem ilusão, num
Inferno incoerente de
Sombra hirta e magra...
Tudo é o nada! Tudo é o fim!
E a miséria que me assola
Zomba traiçoeira, enquanto
Afogam-me, águas subterrâneas de mim!

JCVMoura, 23/5/2010

Melancolia





Perdi meu Eu
Pelos cantos sujos
De uma Natureza construída
Por um deus qualquer!

Perdi meu Eu
Pelos perfumes das flores
De uma Natureza glorificada
Por quem não possui olfato!

Perdi meu Eu.
Estou só.
Não é luto!
É vazio!

Meu riso Demócrito




Ah! Padre Vieira!
Como descobriste a essência
Dos risos que choram?
Escondo a cara manchada
De mentiras
E mesmo assim
Ultrapassas meus risos
Que transcendem o escárnio
Por mim mesmo!
Nada mais são
Do que as lágrimas tristes
Que escorrem da tristeza de Heráclito!

Eu posso falar de melancolia

 
Como Heráclito, choro,
A lamentar o efêmero que se foi.
Num mundo irreal,
Construído ao amparo da sobrevivência,
Conto as gotas da Vida
Ao conta-gotas da Morte.
E, enquanto os sonhos
Não me permitem morrer,
Escrevo sobre a melancolia da Vida.

A mim, compete escrever sobre melancolia,
Pois somente ao melancólico cabe fazê-lo.
A ninguém mais!

Eu não quero chorar mas choro!


Fragmento de homem
Razão sem poder de decisão
Caminho cego a mirar a dor
E minha finitude parece infinita!

Imploro para ir embora
Mas as algemas lacradas
Com o fedor da vida
Não me libertam!

Essa melancolia que me consome
Transforma-se em patologia do Mal
E numa absurda expressão do pranto
Gargalho do meu destino!

A morte arrebatou meu sonho de amor



A morte arrebatou meu sonho de amor

Desceu dos infernos,
Com a boca escancarada de sorrisos
E deitou-se entre nós
Indecente,
Envolvente,
Concupiscente...

Ao descuido do meu paraíso,
Permiti que se instalasse
No meu sonho de amor
Imaturo,
Inseguro,
Prematuro...

E o que não tinha futuro,
Sem futuro ficou... findou,
Pois a morte levou
O meu sonho de amor
E a vida vingativa
Poupou-me a vida...

Sem meu sonho de amor,
Um ser morto-vivo,
Prossigo,
Procuro,
Espero... o quê? O quê?
Não sei! Tão difícil viver!!!

Só, em tudo... até em ti!

Trafego nas vias do teu desejo...

Sei tuas preferências,
Teus caminhos mais saborosos,
As palavras todas que desejas ouvir!
Sei, não porque possua o dom da magia,
Mas, porque implorei que me dissesses!
Implorei entre beijos e orgasmos...
E me disseste, tanto!

Trafegas pelas vias do meu desejo...

Nada sabes de mim,
Nem dos meus caminhos,
Nem das palavras que desejo ouvir!
Não sabes, não porque não me enfeitices,
Mas porque fechei os ouvidos aos teus pedidos!
Implorei entre beijos e orgasmos...
Que me deixasses só!

Não quero ser só mas sou


Caminho por caminhos doidos (doídos?),
Solitariamente, assim, só!
Nem minha sombra covarde
Quer acompanhar-me.
Pede-me que pare.
Não paro!
Insiste.
Vou só!
Só.

Só não aceito o perdão!


Aceito o corpo que trepida no chão
Aceito o sangue que escorre
Aceito a sombra do passado
Aceito o abandono
Aceito a saudade
Aceito a culpa
Aceito o luto
Aceito a dor

Só não aceito o perdão!

No fogo deste inferno
Ardo minha dor
Perco-me só
Na solidão
Desta
Falta
De
Amor.

Minha solidão em ti


Essa solidão
Que me deixa
No absoluto
Encontro de mim
Com meus espectros.

Essa solidão
Que faz de mim
Um outro ser
Com o qual dialogo
Em silêncio.

Essa solidão
Que me obriga
À acareação de mim
Por mim, sempre
E sempre.

Essa solidão
Que delira
Ao decompor
Pensamentos mortos
Num corpo vivo.

Nessa solidão
Não reflito
Pois sou parte do mundo
Que trágico insiste
Em ser a síntese de mim.

Nada posso fazer
Sem a solidão
Única dádiva
Mantida viva
Das minhas emoções.

Desesperadamente
Busco a solidão
E busco-te
Porque preciso de ti
Para sentir-me mais só.


9/4/2010.